Quem diz que nao gosta de frio, ou que nunca se mudaria para um lugar frio vai passar pela vida sem experimentar algumas sensacoes que eu hoje nao posso me imaginar sem. Aqui vao algumas delas.
Sai de casa hoje de manha e a temperatura estava a 2 graus celsius. Quando a porta da garagem se abriu dei de cara com um pinheiro verde e um ceu cinza, mas iluminado. Pensei ate em colocar oculos escuros, mas me senti como se as lentes iriam fazer as vias de um filtro entre eu e o dia e e nao iria poder sentir ver e sentir a beleza daquele dia. Fiz uma anotacao mental para um dia escrever sobre o tema de como a uso de oculos escuros pode ser uma bela ilustracao de uma geracao que faz tudo para se proteger do sol, da chuva, das dores, das pessoas, etc . . .
Enfim eu estava certo o fato de nao colocar os oculos me deu ainda mais vontade de sentir o dia la fora, entao abria a janela do carro e veio aquela brisa gelada, mas tao boa, que faz a gente respirar fundo para que o ar entre em cada pedacinho do pulmao, limpando todo aquele ar encanado, velho e embolorado que vem dos ductos dos aquecedores centrais das nossas casas. Entao respirando esse ar puro, gelado e fresco, comecei a sentir o cheiro de eucalipto queimado que vem das lareiras das casas de madeira que ficam aqui perto. Todas com cara de Europa. Pude imaginar as meninas loirinhas com pijamas vermelhos de veludo e pinturas do pato donald, esquentado os marshmellows no fogo e deitando no sofa de couro preto ao lado do pai e da mae que assistem algum show onde o vencedor sempre pode ganhar um milhao de dolares mas ninguem nunca ganhou.
Tambem lembrei do meu chefe que tem como um dos seus passatempos favoritos, cortar lenha para ele e para outras pessoas, so porque ele gosta de cortar. Os vizinhos o adoram porque ele esta sempre pronto a tirar uma arvore caida da casa deles para levar para sua casa e mandar o machado. Isso e uma coisa que so pode acontecer em um lugar frio como aqui e partindo de uma geracao que ainda nao tinha de tudo, pois hoje em dia as criancas (a nao ser os filhos de gente como ele) devem pensar que lenha ja nasce cortada, pois todo posto de gasolina as tem para vender.
Mas voltando a minha manha, continuei dirigindo sem oculos escuro e com a janela aberta, sentindo o aroma da manha, agora viro em uma rua mais larga e posso ver todas as cores das arvores mais fortes (pois as mais fracas ja perderam as folhas para a primeira tempestade de neve que foi semana passada) mas ainda tem folhas vermelhas, amarelas, alaranjadas, amareladas, florres grandes pequenas, algumas arvores sem folhas que servem como moldura para as que estao atras cheias de cores exuberantes, e alguns pinheiros verdes, misturando com a palha palida do chao e alguns resquicios de grama verde que ainda sobrevivem gracas ao nosse descuidado com o planeta usando esguichos de agua a noite toda so para manter o que naturalmente ja deveria estar morto.
Porque sera que temos tanta dificuldade para aceitar as mudancas naturais das estacoes e da vida? O verao passa e vem o outono, os gramados que eram verdes morrem, mas nos queremos mante-los o maximo possivel . . . assim como nao aceitamos a chegada da velhice e queremos colocar um esguicho de juventude em nossos rostos, tentar manter a elasticidade da pele e esconder as marcas tao lindas que a vida nos deu. Os frutos morrem e as folhas caem, as sementes ficam dormindo ate a proxima primavera, para comecar uma nova fase de arvores e frutos. Mas nos temos tanto medo de aceitar isso, e as vezes ficamos em uma relacao morta, triste, sem futuro, segurando na mao uma semente pois temos medo de joga-la no meio da neve. Entao ficamos com ela na mao a vida toda, para que ela nao passe um inverno frio sozinha, mas sem perceber que assim tambem nunca vai ter a possibilidade de estar ali na terra quando o sol chegar na primavera derretendo a neve e fazendo a neve derretida abrir caminho para a semente entrar dentro da terra, e ai sim morrer, ou melhor dizendo, deixar de existir como sementa para passar a existir como planta, arvore, fruto fertil que tema capacidade de gerar mais frutos enfim , brotar, renascer, viver . . . ser
Parece que eu nao consigo me manter na historia da manha sem oculos escuros e janela aberta. Mas eu queria falar do ceu, muitas vezes para a gente que vem do tropico, ceu com nuvens e dia feio, nao tem piscina, nao tem churrasco, nao tem estrela. Mas vivendo aqui isso se transforma, primeiro porque dia nublado e dia quente, por incrivel que pareca, as nuvens bloqueiam a volta do ar quente para atmosfera entao os dias estao sempre mais quentes. Mas a beleza nao esta ai, esta em uma certa melancolia bucolica quase triste, quase chorosa mas quase linda. Uma lindeza de se sentir vivo e feliz em um ambiente que nao deveria me proporcionar isso, mas proporciona. Um aperto no coracao que deve dar naqueles violeiros que moram no pantanal e escrevem aquelas modas de violas tristes, mas que nos enchem de alegria e amor pelo chao e pela terra. Talvez por saber que o sol esta la atras quente brilhante, mas por agora temos que esperar, um conformismo doce que so tem quem sabe que ainda faltam 6 meses para a primavera, mas que ela existe e vai chegar e mais ainda ela e apenas a precursora do verao . . . por enquanto, e assim o sol esta vindo mais ainda nao veio, o dia e lindo mas ainda sera mais lindo. A vida e boa mais ainda sera melhor, talvez esse e o sentimento do outono, a certeza de que o que e lindo pode ser ainda mais lindo. Entao nao tem churrasco mas queijo derretido na lareira, nao tem futebol de campo, mas tem patinacao na represa congelada, nao tem cheiro de capim mas tem cheiro de pinho queimado, nao tem beijo na boca em praca publica mas tem o calor dos corpos com frio embaixo do cobertor e assim por diante.
Mas voltando a manha, o sentimento de alegria e quase um acalanto, um aconchego. Um sentimento de ser pegado no colo pela natureza e como receber de presente de natal um dia que apesar de ser feio para todo mundo pode ser dia lindo para quem vive aqui. Como se fosse uma recompensa da mamae por ter sido bonzinho e aceitado viver nesse lugar tao desconvidadativo, uma recompensa da Terra por ter sido entre poucos um que aceitou o desafio de enxergar a beleza onde a maioria nem procura. Mas para conseguir ver e sentir isso, tem mesmo que estar disposto a viver sem os oculos escuros com a janela do carro aberta.
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